terça-feira, 26 de abril de 2011



Não se constrói uma casa,
Começando pelo teto e acreditando que logo desabará.

Não se faz castelos de areia,
Sabendo que logo chegará uma maré e tudo se desmanchará.

Não se erguem palafitas em beiras de rios,
Sabendo que a única alternativa é resistir até a próxima enchente.

Não se injeta lixo nas veias,
Sabendo que a esperança roubada é um cadáver caindo no lodo do submundo.

Não se ensina para um aprendiz,
Sabendo que o conhecimento somente terá sentido enquanto houver uma prova real da vida.

Não se deixa vender o corpo,
Se a idéia de Amor difere de uma trepada mal feita por alguns trocados num quarto fedido a esperma de um hotel.

Não se pede desculpas a alguém,
Se somente for para temer uma imediata reação desconhecida do outro.

Não se ajuda alguém a atravessar uma rua,
Sabendo somente que poderá contar pontos no loteamento promíscuo do Paraíso.

Não se levanta um enfermo do seu leito de angústia,
Sabendo que o seu estado é terminal e logo será presenteado com uma lápide.

Não se sorri com lábios e dentes à flor da pele,
Sabendo que mais tarde seja imprescindível o desterrar das lágrimas.

Não se levanta pela manhã,
Sabendo que até o final do dia poderá não estar oxigenando os pulmões.

Não se envernizam as fotografias de falsa paixão maculadas de sangue,
Sabendo que os olhos herdaram somente o ódio incontido e a dor insuportável.

Não haveria um sorriso de criança,
Se logo ela soubesse que tropeçaria em solo áspero.

Não se chuta uma bola ao gol,
Sabendo que haverá um arqueiro que interceptará o lance.

Não se clama com punhos cerrados por justiça,
Sabendo que todo julgamento é míope e quase todo juiz é passível a corrupção.

Não se beija uma mulher com odor bolorento a álcool,
Sabendo que o orgasmo machista é o olho dela rodeado por nódulo de sangue e agonia.

Não se começa um Amor,
Sabendo que todos os caminhos poderão conter imensos vazios.

Não se desfaz uma união,
Temendo sofrer por antecipação as supostas intempéries do mundo.

Resistir sem ceder jamais?
É possível sobreviver,
Acreditando que a vida pouco vale a pena,
E o sorriso de esperança,
Sucumbir aos delírios escancarados do medo?

Há sempre no âmago,
O eterno temor pelo amanhã.
Acomodam-se nossas virtudes,
Receamos não romper com nossos tolos destinos.
Trancafiamos portas e janelas,
Cuspimos no esgoto todas as chaves.
O destino é enegrecido como um Carandiru pulsante...
Sob um ar podre e seco,
Estilhaços de esperanças pelejam tortuosamente sem norte,
Lateja uma atmosfera pagã sem direito a uma prece.
Todos os santos fugiram do Paraíso e fecharam a franquia de suas intervenções,
Reina ferozmente um joguete de cartas marcadas,
Onde a vida é uma marionete imbecilizada,
À revelia, sempre levado pelas ondas dos acontecimentos...

O livre-arbítrio é a utopia dos condenados,
Jaz sobre a pele a letargia dos sonhos,
Imersos em estéreis mãos vazias...
Senzalas do medo,
Senzalas do tempo,
Cárceres da alcova.

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